10 de outubro de 2025

A ingratidão dos filhos e os laços de família

Por O Redator Espírita
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A ingratidão dos filhos e os laços de família: Ensinamentos do Evangelho

A passagem de O Evangelho Segundo o Espiritismo que nos foi confiada traz um conjunto de reflexões consoladoras e exigentes sobre um dos problemas mais dolorosos da vida íntima: a ingratidão dos filhos. Tomando por base o texto — as instruções dos Espíritos relativas à ingratidão e aos laços de família — propõe-se aqui uma leitura extensa, paciente e aplicada, destinada a permitir ao leitor compreender as origens, os sentidos e as possíveis respostas humanas e espirituais ante a ingratidão filial. Procura-se, igualmente, oferecer um roteiro de reflexão moral e prático, sem recorrer a julgamentos fáceis, mas com firmeza suficiente para orientar atitudes que promovam o bem comum da família e o progresso das almas envolvidas.

A dor causada pela ingratidão de um filho é uma das provas que mais fere o coração. O trecho analisado não minimiza essa dor; antes, a reconhece em toda a sua pungência, mas fornece uma chave interpretativa que transforma a dor em conhecimento e, desse modo, em instrumento de aperfeiçoamento. Entretanto, esse conhecimento não substitui a responsabilidade: ele exige trabalho, vigilância e caridade. É exatamente essa combinação — consciência esclarecida e ação renovadora — que o Evangelho propõe como caminho.

A natureza da ingratidão: fruto direto do egoísmo

O texto inicia por situar a ingratidão como manifestação direta do egoísmo. Essa nenhuma novidade moral nos traz, pois sabemos que o egoísmo é fonte primária de conflitos e de desequilíbrios nas relações humanas. Contudo, a grande contribuição do trecho está em deslocar a questão do plano exclusivamente psicológico para o plano espiritual e histórico da alma. A ingratidão, assim entendida, não é apenas falha de caráter momentânea, mas pode ser expressão de tendências mais profundas — vícios morais que acompanham a alma através das existências.

A explicação espírita apresentada não visa justificar o mal com uma desculpa exterior, mas oferecer contexto. Quando se compreende que paixões e virtudes persistem após a morte do corpo, que algumas almas se mantêm estacionárias no espaço e outras progridem sob a luz que recebem, abre-se a possibilidade de enxergar a problemática do afeto familiar sob um prisma mais amplo. A pessoa ingrata pode carregar em si ódios antigos e desejos de vingança que não foram extintos por ocasião do desencarne. São tendências que, se não foram resolvidas, se manifestam de novo nas relações terrenas, muitas vezes com maior violência por terem sido nutridas ao longo do tempo.

Saber disso significa, portanto, muitas coisas ao mesmo tempo: exige que os pais considerem a educação como tarefa espiritual; obriga a comunidade a olhar com mais compaixão para o que julga apenas rebeldia ou falta de afeto; e convida a prática da caridade para além da mera benevolência externa — uma caridade que saiba perdoar e reeducar.

Causa e efeito: o percurso das paixões entre as existências

O trecho acentua que o Espírito carrega suas inclinações para além da morte. Alguns se lançam ao caminho do aperfeiçoamento no espaço; outros permanecem sem orientação até voltarem a procurar a luz. Entre os que chegam a uma compreensão parcial de seus erros, há os que tomam resoluções sinceras de reparar e progredir. Nessa tomada de consciência, o perdão aparece como condição imprescindível: sem esquecimento dos ultrajes, sem perdoar, não há caridade.

No entanto, o caminho do arrependimento não é simples. Muitos Espíritos, apesar de desejar o bem, ao se encontrarem face a face com aqueles a quem odiaram, veem renascer no íntimo a animosidade. A prova que então se apresenta é exemplar: resistir a essa animosidade e cumprir a resolução assumida no mundo espiritual. A alternativa é sucumbir aos velhos ressentimentos; a vitória é a prática efetiva do perdão, que pode implicar uma abnegação profunda, até mesmo uma entrega amorosa aos que outrora feriram.

É aqui que entra um dos aspectos mais fortes do texto: a reencarnação voluntária, ou a permissão concedida por Espíritos superiores para que o arrependido venha habitar o seio da família daqueles a quem ofendeu. Tal providência representa tanto uma oportunidade de prova quanto uma ocasião de reparação direta. A proximidade incessante com a vítima constitui o campo de batalha onde o Espírito testará, na prática, a força de sua resolução. O resultado — que será de amizade ou de ódio — dependerá do vigor da boa vontade conquistada no mundo espiritual.

Esse ponto dá enorme sentido às situações que, à primeira vista, parecem inexplicáveis: aquele bebê que recusa a mãe sem motivo aparente; a antipatia injustificável entre familiares; o ressentimento precoce de uma criança que, por qualquer razão, repele o afeto de quem a gerou. À luz do Evangelho, esses comportamentos merecem ser analisados no contexto de histórias anteriores, e não só atribuídos ao acaso ou à má formação do caráter natural.

Família e missão: responsabilidade dos pais

Não é apenas a criança quem carrega um passado; a passagem coloca de forma incômoda a responsabilidade dos pais como agentes determinantes no progresso do espírito encarnado. A famosa pergunta atribuída a Deus — “Que fizestes do filho confiado à vossa guarda?” — funciona como uma chamada de atenção severa e consoladora ao mesmo tempo. Ela lembra que os pais são cooperadores no destino das almas que lhes são confiadas. Se por negligência ou fraqueza moral não promoveram o avanço do filho, terão de assistir, mais cedo ou mais tarde, ao sofrimento que advém desse atraso moral. E o texto não se limita a um tom punitivo: oferece esperança. Quando a culpa for reconhecida, o arrependimento e a intercessão podem gerar novas oportunidades de reparação, tanto para o pai quanto para o filho.

A educação aqui pensada não é mero cultivo de conhecimentos ou acúmulo de regras. É formação do caráter, luta consciente e perseverante contra o egoísmo e o orgulho. São as pequenas vigilâncias cotidianas — o corte no momento oportuno das más inclinações, a repreensão firme mas afetuosa, o exemplo moral constante — que, comparadas a grandes discursos, mais contribuem para o florescimento espiritual. A metáfora do jardineiro que corta os rebentos defeituosos é exemplar: exige sensibilidade e prontidão para conter os vícios no seu início, quando ainda se pode intervir com maior eficácia.

O texto recorda que a tarefa da educação não exige títulos ou riquezas; exige, acima de tudo, amor ativo e coerência. Tanto o ignorante quanto o sábio podem ser excelentes educadores, desde que se apliquem à observação das inclinações da criança e saibam corrigi-las com firmeza caridosa.

Sobre repulsas instintivas e a leitura do passado

Um dos pontos mais controversos e ao mesmo tempo esclarecedores do trecho é a explicação para algumas antipatias aparentemente “sem causa” entre crianças e seus pais. Quando uma criança demonstra rejeição inexplicável, quando existe antipatia precoce por alguém que lhe oferece amor e cuidado, a proposta espírita é que se considere a possibilidade de resquícios de existências passadas.

Esse insight não elimina a necessidade de uma postura prática: em vez de escorraçarmos a criança, o texto pede que a acolhamos, que a estudemos com olhos que compreendam a complexidade de sua alma. A frase dirigida às mães — “Um de nós dois é culpado” — não é chamada à culpa automática, mas a uma atitude de humildade e investigação. Talvez o filho venha para perdoar ou para expiar; talvez traga inclinações hostis que foi necessário enfrentar. Em qualquer caso, o amor e a paciência maternos constituem o caminho mais seguro para transformar a situação.

Essa perspectiva exige um cuidado especial com julgamentos sociais. O ambiente que marginaliza ou estigmatiza uma criança de comportamento difícil apenas agrava as dificuldades da alma que nela se expressa. Em contraste, uma família que procura entender, educar e velar pelo aperfeiçoamento morai consegue converter essa prova em oportunidade de resgate e, no futuro, de reconhecimento e gratidão.

As famílias espirituais: afinidade e missão coletiva

Outro ensinamento de grande alcance do trecho analisado é a visão das famílias como agrupamentos de Espíritos por afinidade moral e afetiva. Na ordem espiritual, os Espíritos se reúnem segundo gostos, progresso moral e afeto, de modo que as famílias humanas são reflexo — temporal — dessas afinidades mais duradouras. A consequência direta dessa ideia é dupla: por um lado, explica as afinidades profundas e muitas vezes inexplicáveis entre certos membros de uma mesma família; por outro, justifica a presença de Espíritos menos adiantados entrelaçados a famílias mais evoluídas como uma providência benevolente — não para prejudicar, mas para receber ensinamentos e exemplos que promovam o seu avanço.

Isso relança a noção de responsabilidade coletiva. As famílias não existem para satisfazer egoísmos isolados, mas para laborar no aperfeiçoamento recíproco. Quando Espíritos mais evoluídos encarnam em meio aos menos adiantados, a missão é servir: ensinar por meio do exemplo, auxiliar com paciência, assimilar a culpa do outro como estímulo para o perdão e a caridade. Tal compreensão amplia a amplitude do amor familiar: ele deixa de ser meramente tosco, possuidor ou exclusivo, para tornar-se instrumento de salvação.

É importante frisar que essa organização familiar não é rígida nem determinista. Se Espíritos se separam temporariamente nas suas peregrinações, mais tarde reencontram-se, muitas vezes enriquecidos pelo progresso realizado nos intervalos. Essa noção traz consolo àqueles que, no sofrimento, não conseguem compreender as “injustiças” aparentes da vida: tudo tem sentido num horizonte mais vasto, no qual a justiça divina é sábia e providente.

Prova e expiação: o valor redentor das dores domésticas

Quando o texto descreve que as provas que atingem o coração são as mais duras, não é para dramatizar sem sentido: a verdade reluz na experiência humana cotidiana. Muitos suportam pobreza e privações materiais com coragem, mas sucumbem perante a ingratidão familiar. Tal fato denuncia que o ataque mais parrudo ao equilíbrio humano ocorre quando o núcleo afetivo falha. O Evangelho, porém, transforma até essa dor em oportunidade: a prova, aceita com pensamento em Deus, torna-se sinal de que o Espírito caminha para um estado melhor. As provas rudes podem ser a alvorada do aperfeiçoamento, caso sejam atravessadas com resignação ativa e fé vivida.

A pedagogia divina, segundo o trecho, não dá provas superiores às forças daquele que as pede. Ou seja, não se trata de destino cru e arbitrário, mas de oportunidade calibrada à capacidade de cada ser. Quando se ultrapassa a margem da paciência, a consciência pode falir e perder o fruto da provação, recomeçando o ciclo. Por isso a exortação: em vez de queixumes, agradecimento a Deus pelo ensejo de vencer; a vitória moral concede o prémio da vitória. Assim, a perspectiva espírita não é de fatalismo, mas de responsabilidade ativa: a prova é ocasião de escolha.

Práticas recomendadas: orientações aos pais e às famílias

A partir de todas essas considerações, emergem orientações práticas que podem ser resumidas em atitudes concretas. Em vez de transformar esse ponto em uma extensa lista, apresento três recomendações essenciais, simples e aplicáveis:

Observação atenta e intervenção precoce — Como o jardineiro que corta os rebentos defeituosos, os pais devem vigiar as inclinações iniciais das crianças e agir com firmeza e carinho para corrigir egoísmo e orgulho antes que enraízem. Observar não é etiquetar; é compreender e agir com equilíbrio.

Educação por exemplo e coerência — A formação moral exige que os pais sejam modelos. Palavras sem coerência pouco valem. A conduta cotidiana, a renúncia a pequenos egoísmos e a prática da caridade no lar ensinam mais do que longas lições teóricas.

Acolhimento e paciência — Quando a criança repele, não a expelir; quando demonstra ingratidão, não a estigmatizar. Abraçar a criança, investigar as possíveis causas — a perspectiva do texto sugere inclusive resquícios de vidas anteriores — e agir com amor paciente constitui a resposta mais acertada.

Essas medidas, ainda que simples no enunciado, exigem disciplina, renúncia e humildade. Não há atalhos. É preciso persistir, sabendo que a recompensa, às vezes, só se revelará em outra existência.

Consolação e esperança: a visão do Evangelho

Uma das maiores contribuições do trecho é a consolação que ele oferece aos que sofrem. A promessa não é de eliminação imediata do sofrimento, mas de sentido. Saber que não há injustiça eterna e que cada esforço físico e moral abre a possibilidade de abreviar o sofrimento é uma das grandes esperanças cristãs revalorizadas à luz do Espiritismo. A visão do Evangelho amplia o tempo da alma, tira o caráter de tragédia absoluta das dores e a reinclui no processo pedagógico divino.

Além disso, o texto nos convida a ver os laços familiares sob um triplo ângulo: o material, o transitório e o espiritual. Enquanto os laços da matéria podem parecer fracos e frágeis, os laços duradouros do Espírito se perpetuam e se consolidam com o depurar das almas. Essa compreensão reduz o desespero diante dos conflitos domésticos e estimula à perseverança. A família deve ser, portanto, espaço de cura e de labor espiritual, onde se pode salvar e ser salvo.

Uma conclusão prática para a vida cotidiana

Ao terminar esta reflexão, é oportuno retornar à prática cotidiana. A ingratidão dos filhos, como tantas outras dores humanas, pede duas coisas simultâneas: ação e elevação do olhar. A ação se faz nos gestos humildes e constantes: repreensão justa, amor perseverante, educação sem violência, exemplo coerente. A elevação do olhar é o movimento espiritual que dá sentido ao sofrimento: perceber que a provação pode ser um meio de crescimento e que, por vezes, o reencontro e a reparação se darão no tempo maior da alma.

A mensagem final do trecho é de esperança ativa: Deus não fecha a porta ao arrependimento; a bondade divina permite sempre novas possibilidades de resgate. A família que escolhe amar, educar e perdoar torna-se em si um servidor desta bondade. Por isso, quando a ingratidão bater à porta do lar, que o coração não se feche em amargura. Que se abra, antes, à investigação compassiva, ao trabalho de educação e ao perdão que transforma. Assim, ao invés de encurtar o amor, estaremos a ampliar o seu alcance, criando condições para que, no futuro — nesta ou noutra existência — a ingratidão se transforme em reconhecimento, e a família, em laço ainda mais profundo de apoio mútuo e santificação.

Santo Agostinho, ao assinar estas instruções, serve de testemunha espiritual a uma esperança antiga e perene: a do trabalho redentor do amor. Que esse princípio guie cada pai e cada mãe, cada educador e cada membro de família, para que a ingratidão não seja um ponto final, mas um ponto de partida para a reconstrução do afeto e da paz interior.