Emprego da Riqueza
Emprego da Riqueza: Ensinamentos do Evangelho

O Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu Capítulo XVI — Não se pode servir a Deus e a Mamon — traz, nas Instruções dos Espíritos, um dos comentários mais profundos sobre a destinação moral da riqueza. No item 11, o Espírito Cheverus apresenta uma lição de extraordinária atualidade: o ouro, quando domina a alma, transforma-se em instrumento de escravidão; mas, quando administrado com sabedoria e amor, torna-se poderoso meio de progresso coletivo e de elevação espiritual.
A reflexão sobre o emprego da riqueza, à luz desse trecho, exige uma leitura que ultrapassa o simples ato de doar bens materiais. É um convite à revisão da postura interior do ser humano diante da posse, do poder e da responsabilidade. A riqueza, vista sob o prisma do Evangelho, não é um prêmio nem um castigo, mas uma oportunidade de serviço, aprendizado e aprimoramento moral.
Neste artigo, analisaremos os princípios contidos nesse ensinamento, explorando sua dimensão ética, espiritual e prática, e mostrando como ele continua atual na sociedade contemporânea.
A Impossibilidade de Servir a Dois Senhores
“Não podeis servir a Deus e a Mamon” — com essa sentença incisiva, inicia-se o trecho que estabelece o eixo moral da reflexão. Servir a Deus é escolher o amor, a caridade, a solidariedade e a justiça. Servir a Mamon — símbolo das riquezas e dos interesses materiais — é render culto à posse, ao egoísmo e à vaidade.
O Espírito Cheverus não condena a riqueza em si, mas o apego que ela pode suscitar. O perigo não está no ouro, mas no domínio que ele exerce sobre os sentimentos.
Quando o amor às posses se sobrepõe ao amor ao próximo, o homem se torna servo de Mamon, afastando-se da lei divina.
A advertência do Evangelho é clara: o indivíduo que permite que o desejo de acumular o domine “vende a alma” — expressão simbólica para indicar a perda da liberdade interior. A riqueza, que deveria ser instrumento de bem, converte-se em fonte de tormento moral, porque prende o espírito aos gozos efêmeros da matéria.
O Ecônomo Infiel e a Responsabilidade Moral
O trecho prossegue com uma pergunta divina de profundo significado: “Que fizeste, ecônomo infiel, dos bens que te confiei?”
Aqui, a riqueza deixa de ser vista como propriedade absoluta e passa a ser compreendida como um empréstimo sagrado. O homem é apenas um administrador — um “ecônomo” — a quem Deus confiou recursos para que fossem aplicados em benefício de todos.
O “ecônomo infiel” é aquele que usa os bens apenas para seu prazer e vaidade, esquecendo-se da finalidade maior do depósito que recebeu. A infidelidade, nesse contexto, não é apenas moral, mas espiritual: trata-se de uma traição ao compromisso de solidariedade que vincula todos os filhos de Deus.
Com isso, o Evangelho introduz a noção de responsabilidade moral do uso dos bens. A riqueza não é uma bênção pessoal, mas uma missão coletiva. Cada centavo mal-empregado ou egoisticamente retido representa uma oportunidade de crescimento desperdiçada — tanto para quem poderia ser beneficiado quanto para o próprio possuidor.
O Verdadeiro Emprego da Riqueza
O Espírito resume o bom uso da riqueza numa frase central do Evangelho: “Amai-vos uns aos outros.”
Nessas palavras está contida toda a filosofia do emprego correto dos recursos materiais.
O amor fraterno é o critério que orienta a aplicação dos bens, o antídoto contra o egoísmo e o guia seguro para o exercício da caridade.
A caridade proposta pelo Evangelho não é apenas material, nem se limita à doação do supérfluo. Ela exige envolvimento, sabedoria e empatia. A caridade autêntica busca “a desgraça e a ergue, sem a humilhar”, o que significa oferecer ajuda sem ferir a dignidade do outro.
Cheverus adverte contra a “caridade fria e egoísta”, aquela que distribui esmolas como quem cumpre um dever social ou compra tranquilidade de consciência. Essa forma de dar não transforma o doador nem liberta o beneficiado. A verdadeira caridade, ao contrário, nasce do amor ativo e visa a regeneração, a instrução e a independência moral e material de quem sofre.
Dar com Sabedoria: O Equilíbrio entre Generosidade e Discernimento
“Rico!… dá do que te sobra; faze mais: dá um pouco do que te é necessário, porquanto o de que necessitas ainda é supérfluo. Mas, dá com sabedoria.”
Essa orientação une duas virtudes essenciais: desprendimento e prudência. O Evangelho não propõe o empobrecimento voluntário nem a negligência para com as próprias responsabilidades. Propõe, sim, a consciência de que o excesso de conforto pode representar apego disfarçado.
Dar com sabedoria significa conhecer as causas do sofrimento e agir sobre elas. “Vai às origens do mal”, recomenda o Espírito. Essa expressão encerra uma lição de metodologia moral: não basta aliviar a dor; é preciso curar a causa.
Em termos práticos, significa substituir a esmola improvisada por ações estruturantes: oferecer trabalho em vez de dependência, instrução em vez de simples sustento, acolhimento e orientação moral em vez de indiferença piedosa.
A sabedoria na caridade consiste, portanto, em aliar o coração à inteligência — unir amor e razão no exercício do bem.
O Amor ao Trabalho, à Instrução e ao Próximo
O trecho destaca três eixos fundamentais do bom emprego das riquezas: o amor ao trabalho, o amor da instrução e o amor do próximo.
O trabalho é apresentado como fonte de dignidade. Quem possui recursos deve promovê-lo, criando oportunidades e encorajando o esforço próprio. A ajuda que gera trabalho liberta, enquanto a esmola que perpetua a ociosidade escraviza.
A instrução, por sua vez, é tesouro espiritual e moral. “Derrama em torno de ti os tesouros da instrução; derrama sobre teus irmãos os tesouros do teu amor, e eles frutificarão.” A educação é o investimento mais fecundo que alguém pode fazer com seus bens. Através dela, abrem-se horizontes, dissipam-se ignorâncias e multiplicam-se oportunidades.
Por fim, o amor do próximo é o princípio unificador que dá sentido aos dois anteriores. O trabalho e a instrução são instrumentos; o amor é o motivo que os legitima. Sem amor, toda ação perde profundidade espiritual.
O Lucro das Boas Obras
“Coloca tuas riquezas sobre uma base que nunca lhes faltará e que te trará grandes lucros: a das boas obras.”
A metáfora do “lucro” é aqui ressignificada. Não se trata do lucro financeiro, efêmero e terreno, mas do lucro moral e espiritual — aquele que se converte em paz de consciência, progresso da alma e transformação do mundo ao redor.
Quando o indivíduo emprega seus recursos em benefício da coletividade, ele não os perde; ao contrário, multiplica-os em valores eternos. Cada gesto de generosidade consciente é um investimento no patrimônio imperecível do espírito.
Nesse sentido, a riqueza deixa de ser mero acúmulo e se torna sementeira de virtudes. Quem espalha educação, saúde, instrução e amor planta frutos que amadurecem em outras existências.
Aplicações Práticas na Vida Contemporânea
O ensinamento do Evangelho, embora formulado no século XIX, é perfeitamente aplicável à realidade atual. Vivemos num mundo marcado pela desigualdade e pelo consumo desenfreado, onde a idolatria do dinheiro continua a afastar corações da lei do amor.
O emprego cristão da riqueza requer planejamento, constância e visão coletiva. No âmbito individual, cada pessoa pode reservar uma parte de seus rendimentos — não apenas o excedente — para projetos que promovam o bem comum. Essa prática, quando consciente, transforma o ato de doar em hábito moral e em instrumento de elevação espiritual.
Nas empresas e instituições, o mesmo princípio se traduz na responsabilidade social. Negócios podem ser conduzidos com ética, respeito aos trabalhadores e compromisso ambiental. A riqueza produzida deve retornar à sociedade em forma de oportunidades, educação e dignidade.
Já nas instituições espíritas e religiosas, o emprego da riqueza deve mirar o esclarecimento moral e o desenvolvimento humano. Centros, escolas e obras assistenciais que unem instrução, trabalho e evangelização materializam a proposta de Cheverus: difundir o amor de Deus, o amor do trabalho e o amor do próximo.
Caridade Corretiva e Caridade Preventiva
Um aspecto notável do texto é a ênfase em ir às origens do mal. Isso nos permite distinguir entre caridade corretiva e caridade preventiva.
A caridade corretiva atua sobre as consequências imediatas: alimenta o faminto, acolhe o desabrigado, socorre o doente. É indispensável e urgente.
A caridade preventiva, por outro lado, atua nas causas: oferece educação, emprego, saúde e moralidade. Ela busca evitar que a miséria se repita.
O Evangelho nos convida a unir as duas. O verdadeiro emprego da riqueza consiste em atender à urgência sem perder de vista a causa. A caridade que educa e emancipa é aquela que melhor espelha o amor divino.
As Armadilhas do Ouro
A advertência final do texto é sutil, mas contundente. A riqueza pode ser bênção ou perdição. Quando utilizada para promover o bem, é bênção divina; quando alimenta o orgulho, é laço de sofrimento.
As armadilhas do ouro são diversas: o desejo de distinção, a vaidade, o medo de perder, o apego às aparências e a ilusão de poder. Todas elas afastam o homem do propósito espiritual.
O Evangelho ensina que é preciso educar o sentimento de posse. Possuir não é deter, mas administrar. O verdadeiro dono é aquele que sabe compartilhar, que compreende que nada leva consigo além das obras que praticou.
O Desafio da Transformação Interior
O texto de Cheverus não se limita a orientar sobre o uso da riqueza; ele propõe uma reforma íntima. É preciso transformar o modo como se pensa, sente e vive a relação com o dinheiro.
O desprendimento não significa renunciar aos bens, mas libertar-se de sua tirania. A posse deixa de dominar quando o amor ocupa o centro da vida. O indivíduo que aprende a dar com sabedoria e amar com ação descobre que a verdadeira riqueza está na paz interior e na comunhão com Deus.
Um Alerta e um Convite
Este ensinamento de O Evangelho Segundo o Espiritismo é, ao mesmo tempo, um alerta e um convite. Alerta para o perigo de servir a Mamon, deixando-se dominar pelo egoísmo e pela vaidade; e convite para servir a Deus, transformando a riqueza em instrumento de amor e progresso.
A mensagem de Cheverus é universal: todos somos ecônomos da vida, depositários de recursos — materiais, intelectuais ou afetivos — que devemos aplicar para o bem comum. O ouro, a inteligência, o tempo e o talento são empréstimos divinos; a boa administração deles define nossa fidelidade à lei do amor.
Empregar bem a riqueza é entender que o verdadeiro valor não está em possuir, mas em servir. É converter o luxo em solidariedade, o supérfluo em esperança, o poder em oportunidade de libertar.
Assim, quando o homem aprende a “colocar suas riquezas sobre a base das boas obras”, ele transforma o mundo ao seu redor e eleva o próprio espírito. A riqueza, então, deixa de ser motivo de perdição e se torna caminho de redenção — ponte luminosa entre a Terra e o Céu, entre a criatura e o Criador.