Após Chico e Divaldo: o Movimento Espírita diante do Desafio da Liderança Viva
Um chamado à consciência, à unidade e à ação responsável de cada espírita
Um novo momento no movimento espírita
O recente retorno à pátria espiritual de Divaldo Pereira Franco marca o fim de um ciclo importante no movimento espírita brasileiro e mundial. Sua desencarnação, somada à ausência física de Francisco Cândido Xavier desde 2002, nos convida a uma reflexão profunda e serena sobre os rumos da Doutrina Espírita neste novo tempo. Ambos foram médiuns devotados, com trajetórias marcadas pelo trabalho incessante, pela humildade e pelo compromisso com a divulgação do Espiritismo em sua pureza e profundidade.
No entanto, não podemos encerrar esse momento apenas com homenagens. O silêncio deixado por essas duas grandes vozes da mediunidade não pode ser preenchido por saudosismo, nem tampouco por improvisações apressadas. Precisamos refletir, com coragem e responsabilidade, sobre o vácuo de referências vivas que se abre diante de nós. Não no sentido de buscar substitutos ou sucessores — porque, como bem disse Chico Xavier ao próprio Divaldo, eram “dois postes de luz” que iluminavam em lugares diferentes —, mas no sentido de compreender que todo movimento saudável precisa de guias visíveis, exemplos presentes, vozes lúcidas que apontem caminhos.
A Doutrina Espírita não se estrutura em torno de ídolos humanos, mas também não subsiste sem trabalhadores encarnados que inspirem confiança moral, coerência doutrinária e presença atuante. Diante da ausência dos grandes nomes que marcaram a segunda metade do século XX, a pergunta que se impõe é: como evitar que o Espiritismo, sem lideranças encarnadas de referência, se fragmente a ponto de se afastar de sua proposta original de unificação e esclarecimento?
O papel das lideranças no Espiritismo
Desde sua codificação por Allan Kardec, o Espiritismo se desenvolveu com base em um equilíbrio delicado: é uma doutrina espiritual, mas que depende da ação humana. Os Espíritos Superiores jamais disseram que fariam o trabalho sozinhos; pelo contrário, sempre enfatizaram a necessidade da cooperação consciente dos encarnados. Kardec foi esse cooperador lúcido e metódico, capaz de filtrar, organizar, interrogar e sistematizar os ensinamentos que vinham do plano espiritual. Ele não era apenas um “receptor”, mas um educador e condutor.
Depois dele, diversos nomes se destacaram, não por imposição, mas por fidelidade ao trabalho e autoridade moral. Bezerra de Menezes, Cairbar Schutel, Léon Denis, e em tempos mais recentes, Chico Xavier e Divaldo Franco. Esses médiuns, cada um a seu modo, tornaram-se pontos de referência pela coerência de suas vidas, pela dedicação ao ideal espírita e pela constância em servir sem vanglória. Jamais pretenderam liderar no sentido humano do termo, mas acabaram guiando pelo exemplo, pelo amor, pela firmeza com que sustentaram os princípios doutrinários em meio às tempestades do mundo.
A liderança espírita legítima não é a que manda, mas a que serve com humildade e lucidez. Não é a que se impõe, mas a que inspira. E é exatamente essa liderança — silenciosa, ética, profundamente cristã — que hoje sentimos falta.
O risco do culto aos médiuns desencarnados
É compreensível que, diante da grandeza moral e do legado doutrinário deixado por Chico Xavier e Divaldo Franco, o movimento espírita sinta a natural inclinação de mantê-los como referências constantes. No entanto, há um limite tênue entre a justa reverência e o culto improdutivo ao passado. O Espiritismo, por definição, é uma doutrina viva, progressiva, prática, voltada à transformação moral espírita do indivíduo e da coletividade. Ele não se sustenta apenas em memórias — por mais valiosas que sejam —, mas na vivência atual dos seus princípios.
Substituir a ação lúcida e organizada dos encarnados por uma espécie de “espiritualidade nostálgica”, centrada exclusivamente nas figuras já desencarnadas, pode se tornar um grave desvio. A valorização legítima da obra de Chico e Divaldo não pode se transformar em imobilismo. Se a moral espírita que ambos viveram e ensinaram for esquecida ou apenas repetida mecanicamente, sem encarnados comprometidos em aplicá-la no presente, o movimento se transforma em museu, e não em caminho de renovação.
É igualmente importante reconhecer que os Espíritos superiores continuam a agir. Eles não cessaram sua assistência. Mas essa atuação depende — como sempre dependerá — de instrumentos humanos ativos, conscientes, responsáveis, capazes de sustentar tarefas, dialogar com o mundo, orientar novos aprendizes, enfrentar desafios sociais e morais do tempo presente com fidelidade doutrinária e sabedoria prática.
O maior tributo que podemos prestar a esses grandes nomes não é a canonização de suas memórias, mas a continuidade lúcida do trabalho que realizaram com tamanha dedicação. E essa continuidade exige que novos trabalhadores, encarnados, se apresentem não como sucessores, mas como “postes de luz” nos seus próprios campos de ação, conscientes de que o Espiritismo não pertence a um nome, mas a uma verdade.
O vácuo atual e a fragmentação doutrinária
Com a partida de grandes referências como Chico Xavier e Divaldo Franco, é inegável que o movimento espírita vivencia um vácuo perceptível de liderança doutrinária encarnada. Não se trata de querer “escolher um novo Chico” ou “nomear um novo Divaldo” — o próprio Chico já alertara que ele e Divaldo eram como postes de luz: não deveriam ofuscar um ao outro, mas iluminar direções diferentes. Isso reforça a ideia de que cada trabalhador tem seu campo, sua missão, sua forma de servir.
No entanto, a ausência de uma liderança espiritual encarnada com autoridade moral espírita, visão doutrinária clara e capacidade aglutinadora, pode dar margem à fragmentação progressiva do movimento. Sem diálogo entre os diversos núcleos de estudo, casas espíritas, grupos mediúnicos e instituições editoriais, a diversidade natural de interpretações corre o risco de tornar-se dispersão ou mesmo contradição. A unificação, não necessariamente, exige uniformidade, mas coesão em torno de princípios fundamentais.
Neste contexto, cabe lembrar uma célebre frase de Isaac Newton:
“Se vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.”
Essa imagem poderosa — originada de Bernardo de Chartres no século XII — nos lembra que não vamos além por sermos mais brilhantes, mas porque nos apoiamos na grandeza dos que vieram antes. Portanto, não se trata de desprezar Chico ou Divaldo, mas de continuar sua obra com fidelidade e renovação.
A metáfora cristã também se aplica. Quando Jesus declarou:
“Não vim destruir a lei, mas cumpri-la”,
ele estabeleceu um princípio eterno: a continuidade respeitosa e transformadora, que honra o passado sem se deter nele. O espiritismo precisa, da mesma forma, compreender que a admiração legítima pelos que passaram deve ser acompanhada de ação presente que os honre verdadeiramente — indo além, construindo, servindo e iluminando.
Assim, o risco real não é a ausência de um novo nome “grande”, mas o comodismo de esperar que alguém preencha esse lugar, enquanto o movimento se fragiliza. O chamado é para que cada espírita, dentro de suas possibilidades, seja um ponto de unidade, coerência e responsabilidade moral espírita.
A ausência de representatividade espírita na Bienal do Livro
Um dos reflexos mais evidentes da crise de representatividade do movimento espírita encarnado será perceptível, de forma simbólica e prática, na próxima edição da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, evento que celebrará a escolha da cidade como Capital Mundial do Livro em 2025, título concedido pela UNESCO. Trata-se de uma ocasião cultural e literária de proporções históricas — e, ao que tudo indica, o espiritismo institucional e organizado estará ausente em termos de liderança visível e presença doutrinária ativa.
É possível que médiuns psicógrafos estejam presentes nos estandes de suas respectivas editoras — o que, por si só, não é negativo. No entanto, a ausência de um núcleo representativo com autoridade moral espírita e profundidade doutrinária no cronograma de expositores, capaz de dialogar com o público de forma coesa, reflexiva e responsável, chama atenção. Eventos assim são arenas de influência cultural, onde ideias disputam espaço e corações. Não ocupar esse espaço, mesmo que simbolicamente, é perder a oportunidade de oferecer a mensagem espírita com clareza e dignidade ao grande público.
A cena que em eventos passados comoveu e inspirou tantos — com Divaldo Franco e Raul Teixeira sentados lado a lado, irradiando não apenas conhecimento, mas presença espiritual serena, madura e integradora — não se repetirá. E o mais preocupante: não há substitutos visíveis que tenham assumido esse papel com naturalidade, maturidade e reconhecimento coletivo.
Esse vácuo não deve ser ignorado, relativizado ou romantizado. Ele não se trata apenas de uma questão de vaidade institucional, mas de ausência de articulação moral espírita, de planejamento, de presença doutrinária consciente nos espaços de cultura e pensamento.
É bem verdade que temos oradores como Haroldo Dutra, Maira Rocha, Rubens Almeida, Décio Iandoli Jr. e Mayse Braga, apenas para citar alguns, perfeitamente capazes de dialogar com o público espírita, contudo, não temos informação se estarão presentes na próxima Bienal, uma arena sociocultural relevante e importante na formação e transformação de mentes, especialmente no público jovem.
Essa realidade, mais do que motivo para lamentação, deve servir como chamado urgente à reflexão e à responsabilidade coletiva. Se não nos organizarmos para ocupar com coerência e preparo os espaços da sociedade, seremos substituídos por outras vozes, nem sempre comprometidas com os valores espíritas autênticos, ou ainda, deixaremos o campo livre à ignorância, ao misticismo e às distorções.
O Caminho da Renovação: Unificação e Responsabilidade
Diante dos desafios contemporâneos que o movimento espírita enfrenta, é crucial que a reflexão sobre liderança, unidade e continuidade seja feita com serenidade, mas também com um senso urgente de ação. O Espiritismo, como uma doutrina de transformação moral, não pode ser reduzido a um conjunto de rituais ou de celebrações nostálgicas de um passado glorioso. A verdadeira evolução do movimento espírita passa pela renovação constante, pelo reforço da união em torno dos princípios fundamentais, e pelo desenvolvimento de novas lideranças, que possam transmitir a luz da doutrina com sabedoria e espírito de serviço.
A presença de figuras como Chico Xavier e Divaldo Franco, entre outras, não deve ser vista como um marco único ou insuperável. Eles cumpriram sua missão, e não precisamos de novos “sucedidos”, mas de novos espíritas comprometidos com a obra. Como dizia Newton, a visão do futuro repousa sobre os ombros dos gigantes que vieram antes, mas essa visão deve ser ampliada e colocada em prática pelo presente, através da ação dos médiuns e trabalhadores encarnados.
A ausência de um novo líder não é um sinal de enfraquecimento da doutrina, mas um convite à participação coletiva e ao fortalecimento do espírito comunitário. A unidade doutrinária, com base nos princípios de moral espírita, continua sendo a chave para a evolução do movimento. Porém, essa unidade precisa ser construída por cada um de nós, com seriedade e responsabilidade, sem cair no erro da idolatria ou da estagnação.
Quanto à ausência de representatividade do movimento espírita em eventos como a Bienal do Livro, a reflexão é clara: não podemos permitir que o espiritismo se torne invisível nas grandes arenas culturais. Não se trata de competir com outros movimentos ou doutrinas, mas de cumprir nossa tarefa como espíritas, contribuindo com luz e esclarecimento onde for possível, mantendo a doutrina viva, atuante e em constante diálogo com os desafios da sociedade.
O chamado é para que cada espírita, no seu papel, se torne um ponto de luz em sua comunidade, em seu trabalho, em sua família. Seja um exemplo de vivência moral espírita — e assim, através de pequenas e grandes atitudes, contribuiremos para a continuidade da obra de unificação e esclarecimento do espiritismo.
É essencial que, como discípulos de Allan Kardec e como seguidores da moral espírita, não percamos a capacidade de olhar adiante, não com os olhos de nostalgia, mas com a mente e o coração abertos para a construção do futuro. O futuro do espiritismo não será definido por um nome ou uma figura, mas pela ação conjunta de todos aqueles que assumem com coragem, fé e responsabilidade o compromisso de seguir, e não de apenas admirar o passado.
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Espírita há quase 30 anos, o redator espírita é um estudioso da doutrina, esforçando-se em ser aberto a todas as novas percepções e conteúdos, evidentemente, através de todos os cuidados e recomendações que Kardec nos deixou. O redator espírita é apenas alguém que deseja evoluir, assim como todos, sendo este espaço, uma pequena forma de contribuição com o movimento espírita e humilde ferramenta na obtenção de conhecimentos pertinentes à doutrina.
Parabéns pelas considerações importantes e oportunas, neste momento do retorno do Divaldo à pátria espiritual. Acho que chegou o momento dos alunos serem testados, quanto ao aprendizado que nos foi legado pelo plano espiritual, com o advento principalmente do Chico e do Divaldo, sem deixar de mencionar a Ivone Pereira e nosso ainda encarnado Raul Teixeira que, infelizmente foi acometido pelo derrame cerebral.
Acredito que neste momento precisamos muito nos recordar da máxima, do espírito da verdade, quando nos disse: ESPÍRITAS AMAI-VOS, EIS O PRIMEIRO MANDAMENTO, E INSTRUÍ-VOS EIS O SEGUNDO.
Sr. Sérgio, primeiramente, muito obrigado pela leitura!
Agradecemos também sua inteligente opinião e comentários pertinentes.
Entendemos que, além de Raul Teixeira, temos outros médiuns encarnados importantes para o cenário espírita, contudo, infelizmente não possuem maior presença devido a questões alheias ao conhecimento público.
Acreditamos que o Sr. conseguiu captar a intenção de nosso artigo, que nada mais é que levantar uma questão relevante ao momento espírita, na tentativa de provocar um debate saudável na comunidade.
Novamente agradecemos.
Muita paz!
Os tempos estão chegados…na questão 385 do L E. Jesus, assinando como verdade,pede prá educar e instruir todas crianças até os 20 anos no máximo…na q.888 os espíritos superiores respondem que devemos dar esmolas, porém não devemos permitir que irmão nosso viva nas ruas iguais animais com TANTAS TERRAS ABENÇOADAS que Deus nos empresta para viver onde devemos combater e desmascarar (Cap XX do evangelho segundo o espiritismo -MISSAO DOS ESPÍRITAS E TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA…no livro Brasil, coração do mundo e pátria do evangelho, Jesus pede ao anjo Ismael para governar o Brasil com a missão de reunir todas casas espíritas para I QTO descrito acima…!!! KD nossos líderes espíritas para ter a coragem de Chico Xavier que em 1989 não recebeu o Lula por 2 x e respondeu aos irmãos Geraldinho e Dirceu ” ESTE HOMEM NÃO PODE ASSUMIR O BRASIL,ELE É UM CRIMINOSO,VAI SER PRESO…”…KD OS PODEROSOS DA f.e.b.que se calaram e agora milhões de jovens nas drogas, criminalidade,etc…AGORA SÓ NOS RESTA OBEDECER AS REGRAS DE HOMENS ÍNTEGROS (HAROLDO DUTRA, ANTÔNIO ZANARDO,DR SÉRGIO,DR FRUTUOSO E OUTRENS)… FORMAMOS UMA GRANDE TURBA E FAZER VALER AS PALAVRAS DE CRISTO CONTIDAS NA Q.385 E PREFÁCIO DO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO…demais é esperar Deus agir (q.783 do maior livro do mundo que a FEB deveria divulgar e vender no menor preço possível para todos jovens lêr,estudar e entender…)… Pai nosso que…