Deixai que Venham a Mim as Criancinhas II
Deixai que Venham a Mim as Criancinhas: Um Convite à Pureza Espiritual Segundo um Espírito Protetor

No âmago da Doutrina Espírita, a pureza de coração é exaltada como uma das mais sublimes virtudes do espírito em jornada evolutiva. Ao longo dos ensinamentos evangélicos reinterpretados à luz do Espiritismo, encontramos constantes exortações ao desapego das imperfeições morais, à prática da caridade e à vivência do amor como vias de ascensão espiritual. Um dos mais belos e simbólicos apelos nesse sentido encontra-se no capítulo VIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, especificamente no item 19, sob o título “Deixai que venham a mim as criancinhas”, assinado por um Espírito protetor.
Embora à primeira vista essa exortação possa parecer dirigida exclusivamente às crianças no sentido etário, o Espírito esclarece que o termo “criancinhas” é um símbolo da pureza, da humildade e da simplicidade de coração — atributos indispensáveis àqueles que desejam se aproximar verdadeiramente do Cristo e, por consequência, de Deus.
Neste artigo, propomos uma análise minuciosa desse trecho, destacando seus aspectos filosóficos, espirituais e morais, a partir da visão oferecida pelo Espírito protetor. Nosso objetivo é oferecer uma reflexão profunda sobre o conteúdo da mensagem, situando-a dentro da lógica da doutrina espírita e extraindo dela diretrizes práticas para nossa vivência diária.
O Simbolismo das Criancinhas: Uma Linguagem da Alma
A expressão “Deixai que venham a mim as criancinhas” é de origem evangélica, tendo sido proferida por Jesus conforme relatado nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. No entanto, a mensagem do Espírito protetor não se prende ao significado literal da infância. O termo “criancinhas” representa os espíritos que ainda conservam a simplicidade, a humildade e a confiança — qualidades comuns às almas não corrompidas pelas ilusões do mundo.
A Criança como Arquétipo da Pureza
No plano simbólico, a criança é aquela que ainda não foi profundamente marcada pelos vícios, pelas convenções sociais rígidas, pelos preconceitos e pelas ambições desmedidas. É um espírito que, mesmo reencarnado, mantém-se mais receptivo à orientação do Alto, pela natural ausência de orgulho e pela confiança instintiva no amparo de figuras mais elevadas.
Assim, quando o Espírito protetor diz: “Deixai venham a mim as criancinhas”, ele convida todos aqueles que, independentemente da idade cronológica, mantêm em sua alma essa disponibilidade interior à transformação e ao amor. O apelo não é, pois, à infância biológica, mas à infância moral e espiritual.
O Espírito Débil e Necessitado
O Espírito amplia o convite feito por Jesus ao incluir os fracos, os tímidos, os ignorantes e os que sofrem: “Deixai venham a mim todos os que, tímidos e débeis, necessitam de amparo e consolação. Deixai venham a mim os ignorantes, para que eu os esclareça.”
Esta ampliação é profundamente coerente com o ensino espírita segundo o qual Deus não privilegia os sábios, os ricos ou os poderosos segundo os critérios humanos, mas acolhe com especial ternura os humildes, os aflitos e os que buscam a verdade com sinceridade de coração.
O Chamado Universal: O Evangelho como Alimento Espiritual
Quando o Espírito afirma: “Tenho o leite que fortalece os fracos”, recorre a uma imagem profundamente maternal e acolhedora. O leite, como primeiro alimento do ser humano, representa aqui o conhecimento inicial, o consolo necessário, a nutrição espiritual que prepara o espírito para passos mais avançados no caminho do bem.
Consolar, Esclarecer, Curar
O convite de Jesus, transmitido pelo Espírito protetor, não é apenas uma convocação moral: é também uma promessa de auxílio. O Cristo, em sua missão divina, é o médico das almas, o consolador prometido, o mestre de todos os tempos. Ele oferece amparo aos fracos, esclarecimento aos ignorantes e cura aos que sofrem.
Esta tríplice atuação — consolar, esclarecer e curar — é a essência da missão do Cristo e, por consequência, da doutrina espírita, que vem reviver o cristianismo primitivo, livre das distorções dogmáticas acumuladas ao longo dos séculos.
O Remédio dos Males: O Amor e a Caridade
O Espírito protetor revela o “grande remédio que suaviza os males da vida”: “É o amor, é a caridade!”. Aqui temos o ponto central da mensagem. O amor é o fogo divino que transforma a alma e purifica suas feridas morais; a caridade é a expressão prática desse amor, que se manifesta em ações concretas de bondade, perdão e auxílio ao próximo.
É importante notar que o amor e a caridade não são apresentados como meros conselhos morais, mas como instrumentos de cura espiritual. As dores da alma, as aflições do mundo e os males da sociedade encontram sua única solução duradoura na vivência profunda do amor.
Submissão Confiada à Vontade Divina
Um dos aspectos mais belos e consoladores da mensagem encontra-se na oração sugerida pelo Espírito:
“Meu Pai, que a tua vontade se faça e não a minha…”.
Essa entrega à vontade de Deus — feita não com resignação amarga, mas com fé amorosa — é a marca dos espíritos que compreendem a finalidade superior da dor e das provações.
A Experiência da Dor como Caminho de Evolução
No Espiritismo, a dor não é castigo, mas instrumento de aperfeiçoamento. Ela surge como oportunidade de crescimento, de revisão de valores e de purificação interior. A mão de Deus, ao pesar sobre o espírito encarnado por meio das dificuldades da vida, age com justiça e amor.
O Agradecimento pela Alegria e pela Provação
A oração do Espírito protetor é exemplar também por incluir o agradecimento tanto pelas alegrias quanto pelas dores. Isso revela o grau de maturidade espiritual que se espera daqueles que aspiram à pureza do coração. O verdadeiro espírita não louva apenas quando tudo corre bem, mas também quando a dor visita o seu caminho, pois sabe que tudo concorre para o seu bem maior.
O Tesouro Inatacável: A Fortaleza do Amor Verdadeiro
Outro trecho notável da mensagem é aquele em que o Espírito declara:
“Se tendes amor, possuís tudo o que há de desejável na Terra…”
Aqui encontramos a mais pura expressão da espiritualidade superior: a convicção de que o amor é o bem mais precioso que o espírito pode conquistar, porque é a única riqueza que resiste ao tempo, à morte, à injustiça e à maldade do mundo.
A Inviolabilidade do Tesouro Espiritual
Esse “tesouro lá onde os vermes e a ferrugem não o podem atacar” remete à fala do próprio Cristo no Sermão da Montanha. As conquistas materiais podem ser perdidas; o status social é transitório; a beleza física desvanece com o tempo. Mas o amor verdadeiro, enraizado no coração, se eterniza e nos acompanha além-túmulo.
O espírito que ama verdadeiramente se blinda contra as ofensas, vence o ódio com o bem, resiste às tentações do egoísmo e encontra consolo mesmo em meio à adversidade.
O Efeito Libertador do Amor
O amor, além de proteger o coração, também alivia o peso da matéria:
“Sentireis diminuir dia a dia o peso da matéria…”.
Esse trecho é profundamente revelador. Quando nos elevamos moralmente, os laços com os instintos inferiores se afrouxam; o espírito se liberta dos impulsos da animalidade e começa a viver como cidadão do Reino de Deus, mesmo ainda reencarnado.
O Destino Sublime da Alma: A Ascensão Contínua
O Espírito protetor finaliza sua mensagem com uma metáfora poética e poderosa:
“Subireis continuamente, subireis sempre, até que vossa alma, inebriada, se farte do seu elemento de vida no seio do Senhor.”
O Movimento Incessante da Alma
A alma não está destinada ao repouso inerte, mas ao progresso incessante. O amor e a caridade são as asas que a impulsionam na direção da luz. O Espírito nos convida, assim, a perceber a vida terrena como uma etapa transitória da grande jornada evolutiva do ser imortal.
A Sede pelo Divino
Ao dizer que a alma se “inebriará do seu elemento de vida no seio do Senhor”, o Espírito evoca a plenitude do espírito que atinge um grau de amor e de luz tão elevados que seu estado se confunde com a felicidade celeste. Não se trata de uma fusão literal com Deus, mas de uma sintonia tão intensa com as Leis Divinas que já não há mais resistência, sombra ou dor — apenas o gozo da harmonia plena.
Considerações Finais
A mensagem de Bordéus, assinada por um Espírito protetor, é uma das mais belas páginas do capítulo VIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Por meio de imagens suaves, porém densas em significação espiritual, ela nos convida a retornar à simplicidade, à confiança e à pureza das “criancinhas” — não no sentido infantil, mas no ideal moral de uma alma humilde, amorosa e entregue à vontade divina.
Mais do que uma exortação, trata-se de um consolo: todos aqueles que sofrem, que ignoram, que se sentem fracos ou inseguros, são bem-vindos ao Cristo, que jamais fecha as portas aos corações sinceros.
Esse texto espiritual não deve ser lido apenas como bela literatura religiosa, mas como um roteiro de vivência cotidiana. Que cada um de nós, ao nos vermos diante das dores da vida, saibamos lembrar da doce voz do Espírito protetor que nos diz:
“Tenho o leite que fortalece os fracos…
Qual é o bálsamo soberano?
É o amor, é a caridade!”
E que, fortalecidos por essa lembrança, busquemos viver cada dia com mais fé, mais ternura e mais vontade de subir — subir sempre, até que possamos repousar na serenidade da consciência pura, no seio do Pai que é todo amor.