Nossos Males
Nossos Males: Uma Perspectiva Espírita sobre o Egoísmo, a Dor e a Evolução Espiritual
No contexto da Doutrina Espírita, o estudo sobre os males que afligem a humanidade não se limita à compreensão das dores físicas e das adversidades materiais que todos experimentamos em maior ou menor grau. Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, faz questão de enfatizar a diferença entre os males de ordem moral e os de ordem física, buscando compreender qual dos dois tipos de sofrimento é o que mais aflige os Espíritos que nos orientam e acompanham em nossa jornada evolutiva.
A questão que se propõe na Pergunta 487 de O Livro dos Espíritos — “Dentre os nossos males, de que natureza são os de que mais se afligem os Espíritos por nossa causa? Serão os males físicos ou os morais?” — nos convida a refletir sobre o sofrimento humano não apenas sob a ótica da dor física, mas também a partir da perspectiva espiritual, que transcende o corpo e as limitações do mundo material.
Neste artigo, buscaremos aprofundar a compreensão dessa questão fundamental para a Doutrina Espírita, abordando as diferentes naturezas dos males que nos afligem, como os Espíritos os percebem, e qual o papel da dor — seja ela física ou moral — na trajetória evolutiva do ser humano. Em seguida, exploraremos as lições trazidas pela resposta dos Espíritos, pela nota de Allan Kardec e pelo comentário do Espírito Miramez em sua obra Filosofia Espírita, a fim de construir uma visão mais completa sobre os “males” que todos nós, encarnados e desencarnados, precisamos enfrentar.
O Egoísmo e a Dureza dos Corações
A resposta dos Espíritos à Pergunta 487 é clara e profunda: os males que mais afligem os Espíritos em relação a nós, seres humanos, são aqueles de ordem moral, mais especificamente, o egoísmo e a dureza de nossos corações.
Esses dois aspectos estão intimamente ligados e são a origem de todos os outros sofrimentos que atravessam a nossa existência. O egoísmo, com sua obsessão pela satisfação das necessidades e desejos pessoais, sem considerar o bem-estar do próximo, e a dureza do coração, que impede o desenvolvimento de virtudes como a compaixão, o perdão e a caridade, são apontados pelos Espíritos como os principais fatores que geram sofrimento, tanto para o indivíduo quanto para aqueles que o rodeiam.
O egoísmo e a dureza do coração têm repercussões muito mais amplas e duradouras do que as dores físicas que sentimos ao longo da vida. Se, de um lado, as dores físicas são passageiras e muitas vezes têm um caráter educativo, ajudando-nos a aprender e a nos reequilibrar, os males morais, que têm raízes profundas no nosso caráter e em nossos hábitos, são mais difíceis de serem superados e podem persistir por várias encarnações.
A transformação moral é um processo gradual e contínuo, que exige esforço constante para vencermos nossas imperfeições e nos aproximarmos do ideal de amor e fraternidade ensinado por Jesus.
A Visão Espírita sobre a Dor Física e Moral
É importante ressaltar, como Allan Kardec nos ensina na nota explicativa, que a dor física, embora difícil e muitas vezes angustiante, possui um caráter transitório. O sofrimento físico, como as doenças, os acidentes ou as limitações do corpo, é apenas uma fase temporária da existência, uma provação pela qual o Espírito deve passar para alcançar um estado mais elevado de consciência e de perfeição. A dor física, portanto, é vista pelos Espíritos como uma oportunidade para o crescimento espiritual, um meio de nos educarmos, de nos tornarmos mais conscientes de nossas limitações e de nosso vínculo com o corpo material, que é temporário e perecível.
Por outro lado, os males morais — o egoísmo, o orgulho, a vaidade, a inveja, a raiva, o rancor, a indiferença — são os verdadeiros obstáculos que retardam nosso progresso. Esses males não são passageiros, mas profundos, pois estão enraizados no Espírito, em sua essência. Eles afetam a nossa forma de ver o mundo, as nossas relações interpessoais, a maneira como lidamos com as dificuldades da vida. Não é à toa que, quando questionados sobre o que mais aflige os Espíritos por nossa causa, os Espíritos respondem de forma enfática que são os males morais, pois eles impedem nossa verdadeira evolução.
O Significado das Provas e a Função da Dor
A Doutrina Espírita nos ensina que todos os seres humanos estão sujeitos a provas e expiações ao longo de sua trajetória evolutiva. As provas são experiências que temos de enfrentar para que possamos aprender e superar nossas imperfeições; as expiações, por sua vez, são consequências das faltas cometidas em existências passadas. A dor, seja ela física ou moral, surge como uma oportunidade de reequilíbrio e crescimento. O sofrimento, longe de ser uma punição imposta por um Deus vingativo, é uma ferramenta de aprendizado e evolução.
É importante destacar que, segundo a Doutrina Espírita, as dificuldades que enfrentamos não são aleatórias. Elas estão de acordo com as necessidades do Espírito em cada momento de sua caminhada. Quando os Espíritos veem os nossos males, eles não os veem como algo intransponível ou eterno, mas como elementos passageiras e, na maioria dos casos, necessárias para a nossa evolução. O sofrimento físico, mesmo que intenso, é considerado um mal de curta duração, enquanto os males morais — derivados do egoísmo, orgulho e falta de caridade — podem perdurar por muitas existências.
Os Espíritos que nos acompanham, portanto, enxergam a nossa dor de forma muito diferente da maneira como a vemos. Eles não se afligem pela dor física de forma exacerbada, pois sabem que ela é passageira e que, no plano espiritual, ela é facilmente superada. Já os males morais causam uma preocupação muito maior, pois são esses males que realmente retardam o nosso progresso espiritual, e não há garantias de que as lições sobre os males morais sejam aprendidas de forma imediata.
O Comentário de Miramez: Reflexões sobre os Males
O Espírito Miramez, em seu comentário na obra Filosofia Espírita, aprofunda essa ideia ao explicar que todos os males — sejam de ordem física ou moral — têm um papel educador e transformador na vida do ser humano. Ele diz que esses males, embora dolorosos, servem como forças que nos acordam para as realidades da vida, sendo impulsos para o despertar da alma. O sofrimento, portanto, é uma espécie de convite para refletirmos sobre nosso destino e sobre nossas atitudes, para que possamos moldá-los de acordo com as leis divinas, as quais são pautadas no amor, na justiça e na evolução constante.
Miramez também ressalta que os Espíritos que nos acompanham, assim como nós, passaram por um processo evolutivo. Eles não são seres perfeitos, mas sim Espíritos que já superaram muitas dificuldades, pois erraram e acertaram, como nós, em suas próprias jornadas. Essa visão amplia nossa compreensão sobre o sofrimento: ele não é um castigo, mas uma oportunidade de aprendizado. Os Espíritos superiores não têm uma visão distorcida de nossas dificuldades; pelo contrário, eles compreendem que estamos todos em processo de aprimoramento e que a dor — tanto a física quanto a moral — é um instrumento de progresso.
É interessante notar também que Miramez fala sobre a relação entre os Espíritos e os encarnados, afirmando que, embora os Espíritos superiores se preocupem conosco, eles também necessitam do nosso auxílio e do nosso esforço para alcançar um nível mais elevado de serenidade e compreensão. A evolução não é apenas uma via de mão única: os Espíritos que nos guiam, por mais elevados que sejam, continuam em processo de aprimoramento, assim como nós.
Conclusão: O Caminho do Amor e da Caridade
À medida que refletimos sobre as lições de O Livro dos Espíritos, a nota de Allan Kardec e o comentário de Miramez, podemos concluir que a verdadeira transformação não está no afastamento do sofrimento, mas na capacidade de lidar com ele de maneira sábia e construtiva. A dor, seja ela física ou moral, é um convite à reflexão, ao autoconhecimento e ao crescimento espiritual.
Os males de nossa vida, causados principalmente pelo egoísmo e pela dureza do coração, exigem de nós um esforço contínuo para que possamos superá-los e nos aproximarmos da verdadeira paz espiritual. A evolução espiritual, portanto, passa pela prática do bem, pelo desenvolvimento das virtudes e pelo aprendizado de como viver em harmonia com as leis divinas, que são as leis do amor, da caridade e da fraternidade.
A Doutrina Espírita, com sua visão profunda e libertadora, nos oferece os meios para compreendermos que os males da vida não são castigos divinos, mas oportunidades para o nosso crescimento. E é no trabalho constante de transformação interior que podemos, finalmente, alcançar a serenidade e a paz prometidas por Jesus aos que o seguem.
Em última análise, os Espíritos que nos guiam sabem que, através das provas e dificuldades, todos nós, em algum momento, alcançaremos o estado de pureza e luz que nos levará a viver em perfeita harmonia com o Criador e com todos os seres. É a nossa jornada de aprendizado, repleta de altos e baixos, mas sempre direcionada ao bem, à evolução e à verdadeira felicidade.