O Orgulho e a Humildade
O Orgulho e a Humildade: Reflexões Doutrinárias a partir de Lacordaire

No âmago da Doutrina Espírita, encontramos a necessidade de uma transformação moral progressiva e profunda, cujo fundamento reside em duas forças opostas e determinantes no destino do Espírito: o orgulho e a humildade. O Espírito Lacordaire, em sua tocante e luminosa mensagem constante do item 11 do Capítulo VII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, nos oferece não apenas uma exortação, mas um verdadeiro tratado espiritual sobre a importância de vencer o orgulho e cultivar a humildade, como base da verdadeira caridade e da evolução do ser imortal.
Esta reflexão, baseada exclusivamente nesse trecho, propõe-se a dissecar minuciosamente os aspectos morais, filosóficos e espirituais da mensagem de Lacordaire, destacando os ensinamentos essenciais que ali se encontram, os alertas ao espírito orgulhoso, os consolos aos humildes e sofridos, e os caminhos seguros para o aperfeiçoamento pessoal à luz da moral cristã revelada pelo Espiritismo.
A Missão dos Espíritos e a Luz que Desce do Alto
Lacordaire inicia sua mensagem invocando a paz do Senhor, reconhecendo a graça de Deus que permite aos Espíritos esclarecidos a missão de auxiliar a humanidade encarnada. Esta introdução, marcada por profunda reverência e devoção, já nos remete a um dos principais pilares do Espiritismo: a assistência espiritual benevolente, operada por Espíritos que, tendo experimentado a carne e vencido suas provas, agora se dedicam ao progresso do próximo.
A humildade do autor espiritual transparece ao pedir que o Espírito Santo o ilumine, para que sua palavra seja compreendida por todos. Este gesto é, por si só, uma lição: o verdadeiro sábio não se vangloria de seu saber, mas reconhece que toda luz procede de Deus. Ao fazer isso, Lacordaire antecipa, em ato, o que posteriormente explanará em conteúdo: a grandeza da humildade e o perigo do orgulho espiritual.
O Espírito também enfatiza que fala àqueles que “buscam a luz”, o que remete à condição de prova dos encarnados. Somos convidados a compreender que a busca pela iluminação espiritual exige, antes de tudo, abertura para o aprendizado e reconhecimento da própria ignorância, condição primeira da humildade.
A Humildade como Chave da Caridade
Logo no início de sua mensagem doutrinária, Lacordaire declara: “A humildade é virtude muito esquecida entre vós.” Esta constatação, infelizmente ainda atual, demonstra o quanto o orgulho domina o coração humano. Sem humildade, ele afirma, não se pode ser verdadeiramente caridoso. Essa afirmação merece destaque, pois destrói a falsa aparência da bondade superficial.
Quantas vezes julgamos praticar a caridade apenas por doar, por ceder, por “fazer o bem” aos necessitados? No entanto, sem a humildade que reconhece a igualdade essencial entre os seres, não há verdadeira caridade. A caridade sem humildade se converte em vaidade, em exibição, em reforço da superioridade ilusória. Lacordaire nos mostra que é a humildade que nivela os homens, que dissolve as barreiras do ego e desperta a fraternidade sincera.
A humildade é, portanto, a raiz de todas as virtudes verdadeiras. Sem ela, como poderemos ouvir, acolher, perdoar, tolerar ou amar sem interesse? É por isso que os humildes são bem-aventurados: sua humildade os torna disponíveis ao bem.
O Orgulho: Disfarce de Virtudes e Ilusão da Superioridade
Em oposição direta à humildade, Lacordaire apresenta o orgulho como seu adversário mais tenaz. Ele adverte que, sem humildade, o ser humano apenas “se adorna de virtudes que não possui”, comparando tal comportamento ao uso de vestes para esconder as deformidades do corpo.
Essa metáfora é poderosa. O orgulho encobre, simula, disfarça. Ele cria uma aparência de virtude, mas é vazio em essência. Quantas vezes vemos indivíduos que falam de caridade, de paz, de elevação, mas se julgam superiores, se impacientam com os outros, desprezam os humildes? Isso é orgulho travestido de virtude.
O orgulho impede o autoconhecimento. Ele não tolera o erro, não aceita o aprendizado, não reconhece os méritos alheios. O orgulho é, como nos ensina Kardec em O Livro dos Espíritos (questão 785), uma das principais causas do mal moral na Terra, e o Espírito Lacordaire confirma essa visão com vigor neste texto.
A Ilusão da Riqueza e do Poder
Outro aspecto abordado com clareza é o engano dos que se julgam superiores por possuírem títulos, riquezas ou posição social. Lacordaire denuncia a presunção dos “grandes da Terra”, que se imaginam mais dignos por suas posses materiais. Eles veem suas conquistas como sinais de mérito, sem perceber que tudo isso é transitório, efêmero, passageiro.
A crítica não é dirigida à riqueza em si, mas à forma como ela é encarada. O erro está em ver-se como essencialmente superior ao outro. O autor espiritual pergunta: “Terá o Criador feito duas espécies de homens?” A resposta é um contundente “não”. A igualdade essencial dos Espíritos é reafirmada: “São da mesma essência todos os Espíritos e formados de igual massa todos os corpos.”
A cegueira do orgulho leva os ricos e poderosos a desprezar os necessitados, a negar-lhes a fraternidade. Quando o rico não estende a mão com igualdade, quando ajuda com desdém, está a demonstrar que sua caridade é apenas forma, sem alma. É essa atitude que impede o progresso do Espírito.
Reflexão sobre a Fragilidade Humana
Lacordaire convida os orgulhosos a meditarem sobre sua condição. Eles dormem sob tetos dourados enquanto outros jazem sobre a palha, mas desconhecem a realidade espiritual. O Espírito os interroga: “Despi-vos ambos: que diferença haverá entre vós?” Trata-se de uma lição contundente sobre a ilusão das aparências.
O autor espiritual recorda que as posses e os títulos não acompanham o Espírito na morte. Os bens terrenos são apenas instrumentos de prova e aprendizado. A verdadeira nobreza, afirma ele com clareza, está “na caridade e na humildade”. É com essas virtudes que se conquista o Reino dos Céus.
A morte, lembra Lacordaire, não poupa ninguém. A todos iguala. Essa constatação é crucial para os que desejam se libertar do orgulho. A meditação sobre a impermanência da vida corporal pode ser uma poderosa alavanca para a humildade.
O Valor das Provas e o Mérito dos Humildes
Comovente é o trecho em que Lacordaire se dirige à mulher pobre, mãe aflita, que se curva diante da dor para alimentar seus filhos. Sua voz se enche de ternura e respeito: “Oh! inclino-me diante de ti.” Essa reverência à dor dignamente suportada é uma das mais belas expressões da moral espírita.
Da mesma forma, à jovem trabalhadora e pobre, Lacordaire dirige palavras de consolo e exortação à confiança em Deus. Mostra que por trás dos brilhos do mundo muitas vezes se escondem dores inconfessáveis. Convida a jovem à pureza, à fé e à resignação.
Esses exemplos evidenciam que, aos olhos da Espiritualidade, o valor de uma alma não está em sua posição social, mas na coragem moral, na dignidade diante das dificuldades, na confiança em Deus e na recusa em se corromper. A humildade, nesses casos, é conquista íntima que resplandece como estrela no firmamento espiritual.
A Humildade nas Provas e Injustiças
Outro ponto importante da mensagem é a forma como devemos reagir às injustiças humanas. Lacordaire orienta: “Se sofreis pelas calúnias, abaixai a cabeça sob essa prova.” O sofrimento com resignação, longe de ser fraqueza, é força espiritual. É reconhecer que somente Deus pode julgar com justiça.
Aceitar os reveses da vida, sem rancor nem revolta, é sinal de grande humildade e fé. Lacordaire nos convida a ver as injustiças humanas como provas úteis ao nosso progresso. Ao suportá-las com paciência, vencemos o orgulho e nos aproximamos de Deus.
A Atualidade da Mensagem de Lacordaire
Ao final de sua mensagem, Lacordaire faz uma advertência severa. Pergunta se seria necessário que o Cristo voltasse à Terra para expulsar os vendilhões do templo, como o fez outrora. Essa crítica se dirige à hipocrisia religiosa, àqueles que falam de Deus mas erguem altares ao orgulho, ao egoísmo e ao interesse pessoal.
Ele denuncia a criação de um “Deus à imagem dos homens”, um bezerro de ouro moderno adaptado aos gostos e paixões humanas. É uma crítica à religião formal, que se esquece da essência espiritual do Evangelho. Essa denúncia continua atual, pois ainda há muitos que, em nome de Deus, perpetuam exclusões, preconceitos, vaidades e disputas.
O apelo final é à reforma íntima: “Que cada um proceda pouco a pouco à demolição dos altares que todos ergueram ao orgulho.” A regeneração do mundo passa, necessariamente, pela regeneração do indivíduo. E isso só será possível se cada um reconhecer sua pequenez diante de Deus e buscar a grandeza pela humildade.
Um Hino à Humildade
A mensagem de Lacordaire é um hino à humildade, um brado contra o orgulho e uma exortação ao verdadeiro cristianismo. Cada parágrafo transborda sabedoria espiritual e compaixão. O Espírito não apenas ensina — ele toca, consola, desperta.
Sua lição é clara: o orgulho é o maior obstáculo à nossa elevação. Ele nos isola, nos cega, nos afasta da fraternidade. A humildade, ao contrário, nos liberta, nos irmana, nos aproxima de Deus. É por ela que abrimos o coração à caridade verdadeira, à compreensão do próximo e ao serviço do bem.
Enquanto Espíritos em jornada evolutiva, somos chamados a renunciar ao pedestal ilusório do ego e a caminhar de joelhos, mas de cabeça erguida pela consciência tranquila, pelo dever cumprido, pelo amor silencioso e humilde.
Que a lição de Lacordaire penetre em nossas almas como semente fecunda. Que ela nos ajude a cultivar, com perseverança, a humildade sincera e o desapego dos títulos terrenos. Que sejamos, enfim, os verdadeiros cristãos que ele conclama a despertar — aqueles que, vencendo o orgulho, caminham para o Reino da Verdade.
Assim seja.