O Orgulho e a Humildade: Segundo Adolfo, Bispo de Argel
O Orgulho e a Humildade: Segundo Adolfo, Bispo de Argel
Uma análise espírita à luz de O Evangelho Segundo o Espiritismo

O estudo do orgulho e da humildade representa um dos pilares da edificação moral proposta pela Doutrina Espírita. São conceitos que se entrelaçam intimamente com a evolução do Espírito, pois influenciam diretamente suas ações, pensamentos, escolhas e, sobretudo, sua sintonia com os valores do Cristo. Entre as instruções mais contundentes acerca deste binômio espiritual encontra-se a mensagem do Espírito Adolfo, bispo de Argel, constante do item 12 do capítulo VII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que trata das bem-aventuranças dirigidas aos pobres de espírito.
Nesta profunda exortação, Adolfo desmascara o orgulho como raiz dos males humanos e enaltece a humildade como condição essencial à regeneração individual e coletiva. Longe de apresentar o orgulho como uma falha trivial ou a humildade como mera virtude decorativa, o espírito comunicante propõe uma reforma estrutural no comportamento humano, apontando o orgulho como gerador de sofrimento e decadência, e a humildade como instrumento de redenção e elevação.
Este artigo tem por objetivo analisar detidamente os ensinamentos deste trecho, extraindo deles as implicações morais e espirituais que devem guiar o espírita sincero em sua jornada de autoconhecimento e transformação. Não nos basearemos em conceitos externos ao texto. Todo o desenvolvimento a seguir é fruto da meditação e do aprofundamento exclusivo na mensagem deixada por Adolfo.
Calamidades humanas: fruto do orgulho coletivo
A mensagem inicia-se com uma pergunta direta e provocadora: “Homens, por que vos queixais das calamidades que vós mesmos amontoastes sobre as vossas cabeças?” Esta interrogação não é meramente retórica. Ela revela uma realidade dolorosa: a maioria dos sofrimentos coletivos e sociais não são obra de um destino cego ou de uma punição arbitrária de Deus, mas sim consequência direta das más escolhas morais da humanidade.
Segundo o Espírito Adolfo, a humanidade desprezou a “santa e divina moral do Cristo”, e é este abandono que gerou o transbordamento da “taça da iniquidade”. A metáfora da taça que transborda indica um acúmulo: uma progressiva acumulação de erros, injustiças, egoísmos, opressões e indiferenças. Trata-se de uma advertência clara: os males do mundo têm sua origem no orgulho dos homens, em sua recusa obstinada a seguir os princípios da lei cristã, especialmente a caridade e a humildade.
Este trecho denuncia com precisão o orgulho como a matriz do desequilíbrio social. A tentativa incessante de “esmagar-vos uns aos outros”, conforme a expressão usada, leva ao colapso moral e estrutural da sociedade. O espírito aponta com clareza que a felicidade comum só pode ser alcançada pela “mútua benevolência”, ou seja, por um espírito de solidariedade e fraternidade. Mas como alcançar esse ideal com corações dominados pelo orgulho?
O orgulho: fonte de todos os males
Adolfo afirma de maneira categórica: “O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males.” Esta frase contém em si um diagnóstico espiritual severo e inquestionável. O orgulho não é apenas um defeito, mas a raiz de inúmeros outros: ele alimenta o egoísmo, fomenta a vaidade, gera a competição desleal, incentiva a inveja, encoraja a dominação, e fecha o coração à compaixão e ao perdão.
É por essa razão que o espírito instrutor propõe um único meio de combate, mas infalível: “tomardes para regra invariável do vosso proceder a lei do Cristo”. Ora, qual é a essência dessa lei? “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. A caridade, a indulgência, o perdão, a paciência, o desapego e a abnegação são os pilares dessa conduta cristã. O orgulho, por sua vez, se opõe a todos eles.
O orgulho não admite dependência, não reconhece limites, não aceita correções, não tolera contrariedades. Ele incha o “eu” até obscurecer o senso de justiça e de humanidade. O orgulhoso acredita ser superior aos outros, mesmo que não o diga em palavras. E ainda que se proclame humilde, sua conduta o denuncia: quer brilhar, aparecer, ser reconhecido, elogiado. O orgulho espiritual, aliás, é uma das formas mais sutis e perigosas de orgulho.
O prestígio da aparência em detrimento da virtude
Adolfo também critica veementemente a inversão de valores presente na sociedade. Ele denuncia a admiração e o prestígio que são concedidos ao “vício na opulência”, enquanto o “verdadeiro mérito na obscuridade” é desprezado. Isso revela uma patologia moral da humanidade: a valorização daquilo que brilha aos olhos em detrimento do que toca o coração.
A sociedade acolhe com entusiasmo o rico debochado, o homem de posses sem caráter, apenas por seu nome ou fortuna. Todas as portas se abrem para ele. Já o homem justo, trabalhador, honesto, mas desprovido de recursos materiais, é tratado com frieza ou condescendência. Essa realidade, apontada em 1862, ainda hoje persiste. O culto às aparências, à fama, ao poder e ao luxo continua corrompendo o juízo moral da humanidade.
Essa inversão é uma das expressões mais claras do orgulho coletivo. Os valores morais são sufocados por uma cultura de vaidade social. Adolfo nos lembra que, enquanto a sociedade medir a dignidade de uma pessoa por sua fortuna ou título, os homens não encontrarão incentivo para se corrigirem. Afinal, por que melhorar moralmente, se o prestígio está garantido pelo ouro?
O orgulho como mecanismo de autodestruição social
Em outro momento de sua mensagem, Adolfo revela uma lei inevitável: “Quando o orgulho chega ao extremo, tem-se um indício de queda próxima.” Esta sentença ecoa uma verdade universal. O orgulho é uma força que leva o Espírito à ruína. Quando exacerbado, ele se torna destrutivo — tanto para o indivíduo quanto para a coletividade.
Não é à toa que os impérios, as civilizações, os sistemas políticos, os líderes e os poderosos que se deixaram dominar pelo orgulho sempre terminaram em queda. A história humana é repleta desses exemplos. A ascensão desmedida, alimentada pela soberba, costuma ser sucedida pela queda humilhante. Deus, em sua sabedoria, permite a ascensão dos orgulhosos, não para premiá-los, mas para lhes dar tempo de se corrigirem. Quando essa chance é desperdiçada, a queda se torna inevitável.
O espírito Adolfo explica que Deus “nunca deixa de castigar os soberbos” e que os golpes sucessivos que os atingem visam adverti-los. Esses “golpes” são, na verdade, instrumentos educativos, expressões da misericórdia divina. Mas, quando os avisos são ignorados, “cheia a medida”, o orgulho é abatido com severidade. É a pedagogia da justiça divina.
A esperança: o remédio divino e o apelo à regeneração
Mesmo diante do quadro sombrio que descreve, Adolfo encerra sua mensagem com uma nota de esperança. Ele dirige-se à humanidade como quem se dirige a um paciente grave, mas ainda passível de cura: “Pobre raça humana, cujo egoísmo corrompeu todas as sendas, toma novamente coragem, apesar de tudo.” Esta frase é uma exortação à regeneração. Deus, em sua misericórdia, envia remédio aos males humanos.
Esse remédio é o Espiritismo, representado pelas “almas dos que já não vivem na Terra” e que vêm “chamar ao cumprimento dos deveres reais”. É a intervenção do mundo invisível na Terra material. São os Espíritos superiores que, por ordem divina, despertam as consciências adormecidas. Eles vêm ensinar, com a autoridade da experiência, que as glórias do mundo são ilusórias e que somente a humildade e a caridade garantem verdadeira grandeza no além.
O trecho final da mensagem é de uma beleza sublime. Ele aponta a grande inversão de valores do plano espiritual: o maior, lá, é aquele que foi o mais humilde na Terra. O mais amado no céu é aquele que mais amou seus irmãos no mundo. Os poderosos que abusaram do poder, estarão em posições inferiores, subordinados aos seus antigos servos. Trata-se de uma reeducação espiritual.
A humildade e a caridade: irmãs inseparáveis
Adolfo encerra sua mensagem com a revelação de um segredo divino: “a humildade e a caridade, irmãs que andam sempre de mãos dadas, são os meios mais eficazes de se obter graça diante do Eterno.” Aqui, ele une dois princípios fundamentais do Evangelho. A humildade purifica o sentimento de si, tornando-o receptivo à vontade divina. A caridade purifica o sentimento em relação ao outro, abrindo espaço para o amor.
Não há verdadeira caridade sem humildade. Quem é orgulhoso faz caridade por ostentação, por vaidade, por interesse. Mas aquele que é humilde faz o bem por amor, sem buscar aplausos. Da mesma forma, a humildade sem caridade é estéril, pois se torna introspectiva, egoísta, fugindo ao convívio humano.
Essas duas virtudes constituem o fundamento da moral cristã e o caminho seguro para o progresso espiritual. Elas são o antídoto contra o orgulho e o egoísmo, os dois grandes males que afligem a humanidade.
Conclusão
A mensagem de Adolfo, bispo de Argel, é um libelo contra o orgulho e uma ode à humildade. Ela nos convida à autorreflexão profunda. Somos, muitas vezes, vítimas das calamidades que nós mesmos ajudamos a criar, pelo orgulho e pelo desprezo à lei de amor do Cristo. A regeneração do mundo não será possível sem a regeneração dos indivíduos — e essa, por sua vez, exige a destruição do orgulho em todas as suas formas.
O Espírita sincero, ciente de sua responsabilidade moral e espiritual, deve ter esta mensagem como guia constante. Em suas relações, deve combater o orgulho, tanto em si mesmo quanto nas estruturas sociais que o perpetuam. Deve valorizar a virtude mais do que o prestígio, acolher o simples com mais amor do que o poderoso, e buscar, na prática da humildade e da caridade, a verdadeira grandeza.
Que o exemplo dos Espíritos superiores, que já passaram pelas lutas da Terra, sirva de estímulo à nossa transformação. Que a humildade se torne não apenas um ideal distante, mas um exercício cotidiano de renovação interior. E que, vencendo o orgulho, possamos, um dia, alcançar a luz da paz verdadeira que só habita nos corações que aprenderam a amar.