Perdão das Ofensas
Perdão das Ofensas: Segundo Paulo, Apóstolo

Entre os temas mais elevados e desafiadores da vivência cristã e espírita encontra-se o perdão das ofensas. Nenhuma proposta do Evangelho demanda tanto esforço íntimo, tão profundo desapego ao orgulho e tão sincero compromisso com a renovação moral quanto a capacidade de perdoar. O trecho de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo X, instrução de Paulo, apóstolo, em Lião, 1861, nos apresenta uma reflexão vigorosa e iluminada sobre este dever moral.
Ao analisarmos o item 15, observamos que Paulo não apenas convida ao perdão, mas esclarece suas diferentes modalidades, denuncia os falsos perdões e aponta o caminho que conduz ao perdão verdadeiro: aquele que nasce do coração, que lança um véu sobre o passado e se traduz em atos de reconciliação. O apóstolo retoma, em linguagem acessível e ao mesmo tempo firme, a essência dos ensinos de Jesus, lembrando-nos que “o rancor é sempre sinal de baixeza e de inferioridade” e que apenas “o esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas”.
Este artigo pretende aprofundar essa mensagem, explorando seus desdobramentos morais, espirituais e práticos para a vida cotidiana do espírita. Nosso objetivo é oferecer uma reflexão detalhada que auxilie o leitor a compreender e aplicar o perdão de acordo com o Evangelho, considerando os desafios humanos e as exigências do processo de evolução espiritual.
A Dimensão Espiritual do Perdão
O perdão, no entendimento espírita, não é apenas um ato social de conciliação ou uma mera formalidade ética. Ele é, sobretudo, um ato espiritual. Quando Paulo afirma que “perdoar aos inimigos é pedir perdão para si próprio”, ele nos coloca diante da lei de reciprocidade que governa nossas relações com Deus e com o próximo.
O Espírito de cada um de nós carrega uma bagagem de erros e acertos. Em nossa caminhada reencarnatória, inevitavelmente, causamos prejuízos, ferimos sentimentos e cometemos injustiças. Assim como necessitamos de indulgência e misericórdia, somos convocados a oferecer indulgência e misericórdia. O perdão que concedemos ao próximo abre o caminho para que recebamos de Deus o mesmo tratamento compassivo.
Nesse sentido, o perdão não é um favor que fazemos ao outro, mas um ato de libertação mútua. Libertamos o outro do peso de nossa hostilidade e libertamo-nos da prisão do ressentimento. Ao perdoar, deixamos de alimentar correntes vibratórias de ódio e mágoa que, se não dissolvidas, podem se transformar em vínculos obsessivos, estendendo-se até além da presente existência.
Perdão aos Inimigos, aos Amigos e às Ofensas
Paulo faz distinções que merecem ser observadas:
- Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si próprio.
Aqui ele estabelece a lei da reciprocidade espiritual. Ao perdoar quem nos agride, criamos a possibilidade de que nossos próprios erros sejam relevados. Trata-se de uma aplicação direta da prece ensinada por Jesus: “Perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos aos que nos têm ofendido.”
- Perdoar aos amigos é dar-lhes uma prova de amizade.
Nem sempre a dor maior nasce de nossos adversários declarados. Muitas vezes é no círculo íntimo — familiares, amigos próximos, companheiros de ideal — que surgem as feridas mais dolorosas. Saber relevar pequenas desavenças e compreender fragilidades é um sinal de maturidade espiritual e de verdadeiro laço afetivo.
- Perdoar as ofensas é mostrar-se melhor do que era.
O perdão aqui é visto como progresso moral. A cada vez que conseguimos perdoar, elevamo-nos acima de antigas tendências de orgulho e vingança. O ato de perdoar se converte em medida de nossa evolução íntima.
O Perigo da Intransigência
O apóstolo adverte com energia: “Ai daquele que diz: ‘Nunca perdoarei’, pois pronuncia a sua própria condenação.”
Essa afirmação é de extrema gravidade. Ao negar o perdão, fechamos a porta da misericórdia para nós mesmos. A rigidez diante das faltas alheias denuncia a rigidez com que seremos medidos. O espírito que se aferra à vingança ou à mágoa cristaliza-se em vibrações inferiores, impossibilitando o avanço na senda do amor.
Além disso, a recusa em perdoar perpetua a dor. O ofensor pode seguir sua vida, mas o ofendido que guarda rancor mantém a chaga aberta, reavivando-a a cada lembrança. É como se a alma carregasse voluntariamente o veneno que a consome.
Autocrítica e Reconhecimento de Culpa
Paulo nos conduz a um exercício de profunda honestidade: “Quem sabe se, descendo ao fundo de vós mesmos, não reconhecereis que fostes o agressor?”
Quantas vezes julgamos ter sido vítimas, quando, na realidade, iniciamos a discórdia? Uma palavra ríspida, uma ironia, um gesto de desprezo podem ter sido o estopim da ofensa. Mesmo quando temos razão, será que não exageramos nas respostas, agravando o conflito?
Essa análise íntima nos mostra que o perdão deve ser acompanhado da autocrítica. Não se trata de assumir culpas inexistentes, mas de compreender nossa parcela de responsabilidade. Essa humildade abre o coração para a indulgência, pois quem reconhece a própria falibilidade compreende melhor as falhas alheias.
Perdão dos Lábios e Perdão do Coração
Um dos pontos centrais da mensagem de Paulo é a distinção entre o perdão aparente e o perdão verdadeiro.
Perdão dos lábios: é aquele que se expressa em palavras de conciliação, mas guarda, no íntimo, o desejo de vingança ou o prazer diante das desgraças do outro. É o perdão hipócrita, que não apaga o ressentimento.
Perdão do coração: é aquele que não apenas diz “eu te perdoo”, mas age como quem realmente esqueceu a ofensa. É o perdão que se traduz em reconciliação, que busca a convivência pacífica e lança um véu sobre o passado.
Paulo denuncia com clareza os falsos perdões: “Quantos não dizem: ‘Perdoo’, e acrescentam: ‘mas não me reconciliarei nunca’.” Isso não é perdão cristão. O verdadeiro perdão exige que não alimentemos rancor e que estejamos dispostos a reatar os laços de fraternidade.
Esquecimento Completo e Absoluto
O apóstolo eleva o padrão do perdão ao afirmar que “o esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas.”
Não basta dizer que perdoamos; é preciso esquecer. Enquanto a mágoa é constantemente recordada, a ferida não cicatriza. Somente quando conseguimos falar do passado sem dor, ou quando já nem lembramos do agravo, é que o perdão se consumou.
Esse esquecimento, porém, não significa ingenuidade ou conivência com o erro. Perdoar não é permitir abusos nem compactuar com injustiças. É, antes, não carregar ódio no coração, ainda que se tome a atitude prudente de manter distância quando necessário. O esquecimento é do rancor, não do discernimento.
Perdão como Mérito Espiritual
Paulo afirma: “Mostrai-vos clementes e com isso só fareis que o vosso mérito cresça.”
O perdão, ao contrário do que muitos pensam, não nos rebaixa, mas nos engrandece. Aquele que perdoa demonstra força moral, grandeza de espírito e afinidade com as virtudes cristãs. Cada ato de perdão é um degrau na ascensão espiritual.
Na lei de causa e efeito, cada ressentimento mantido é um fardo que atrasa a caminhada, ao passo que cada perdão sincero é uma libertação que nos aproxima da paz.
O Perdão e as Relações Cotidianas
Paulo fala de situações concretas, como a pequena ofensa que se transforma em grave querela por falta de indulgência. Quantas famílias, amizades e instituições não se desfazem por orgulho?
Um olhar atravessado, uma palavra mal interpretada, um gesto de impaciência — pequenas coisas que, se não forem relevadas, podem crescer em proporções desastrosas. A lição é clara: cabe a nós impedir que o conflito se agrave.
Se está em nossas mãos encerrar a discórdia e não o fazemos, somos corresponsáveis pelas consequências. Esse ensinamento é de imensa atualidade, pois vivemos tempos de acirramento nas relações humanas, em que pequenos desentendimentos facilmente se transformam em grandes rupturas.
O Rancor como Sinal de Inferioridade
Paulo é categórico: “O rancor é sempre sinal de baixeza e de inferioridade.”
O rancor aprisiona o espírito às zonas inferiores do sentimento. Ele é fruto do orgulho ferido, da vaidade não satisfeita. Espíritos elevados não guardam ressentimento; compreendem a limitação do outro e seguem adiante, sem perder tempo com mágoas.
Assim, o rancor não é apenas uma falha moral: é também um sintoma de atraso evolutivo. Libertar-se dele é condição indispensável para a elevação espiritual.
Perdão e a Justiça Divina
Um ponto implícito na instrução é que o perdão não anula a justiça divina. Quando perdoamos, não significa que o ofensor estará livre das consequências de seus atos. Cada um colherá o que semeou, conforme a lei de causa e efeito.
Nosso perdão apenas retira de nós o peso do rancor e nos coloca em sintonia com a misericórdia divina. Ao deixar de julgar, entregamos a Deus a tarefa de corrigir, no tempo certo, os erros cometidos.
Conclusão
O item 15 do capítulo X de O Evangelho Segundo o Espiritismo é uma síntese poderosa do espírito cristão. Paulo, o apóstolo convertido pela luz de Cristo, nos oferece um roteiro prático e profundo para exercitar o perdão em nossas vidas.
Ele nos ensina que:
- O perdão é condição para recebermos perdão.
- O verdadeiro perdão nasce do coração e não apenas dos lábios.
- O rancor é sinal de inferioridade, ao passo que o esquecimento das ofensas é marca das grandes almas.
- Perdoar é sempre engrandecer-se, é libertar-se das correntes do passado e caminhar em direção à paz.
Como espíritas, somos chamados a não apenas compreender essas lições, mas a vivê-las. Nosso testemunho perante a vida será medido pela capacidade de transformar mágoa em indulgência, agressão em serenidade, ofensa em oportunidade de crescimento.
Que cada um de nós possa refletir sobre as palavras de Paulo e aplicá-las em sua existência diária, convertendo o perdão em prática constante. Assim, estaremos mais próximos do ideal do Cristo, que na cruz, diante da maior das injustiças, ainda encontrou forças para dizer: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”